sexta-feira, 14 de agosto de 2009

O Karaté mais uma vez não olímpico!

Mais uma vez o Karaté foi rejeitado como modalidade olímpica...
Apesar das sondagens e da votação online de trezentos e cinco jornalistas representando 83 países, os quais atribuiram 120 votos ao Karaté e 111 ao râguebi na variante de sevens, os membros do COI mostraram postura diferente.
Os 115 membros do plenário do COI apostaram no râguebi e no golfe, ficando também de fora o squash, o basebol, o softbol e os patins-em-linha.
Mas só na próxima assembleia do COI, a 9 de Outubro em Copenhaga, estas duas admissões serão confirmadas, pois dependem da maioria de 51% e mais um votos a favor para serem definitiva.
No entanto o boxe feminino foi integrado no programa olímpico para os jogos de Londres, em 2012, com a inclusão de três categorias de pesos...
Provavelmente os jornalistas votaram no Karaté com posições assentando essencialmente num critério de espectacularidade, em que tanto o kumite como a kata produzem imagens de extrema beleza. Mas o COI entendeu que uma modalidade que enche estádios é uma modalidade diferente de uma outra que enche pavilhões (entre 30.000 e 3.000 a diferença é grande!), ao mesmo tempo que entendeu que uma modalidade com "combates" femininos ao KO também é diferente de uma outra em que o "combate" se ganha com uma técnica controlada...
Mas será benéfico para o Karaté vir a ser olímpico?
O que aconteceu com o Taekwondo? O que acontece com as outras modalidades? Cada vez mais alastra a corrupção, o doping e a fraude, a exploração infantil é cada vez maior, as mortes durante a prática ocorrem com mais frequência, as lesões ditam o terminar de carreiras, a política imiscui-se no desporto...
Quanto mais mundiais, quanto mais olímpicos, tanto mais perversidades...
Para meditar se o COI não terá razão!
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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Sensei Ryoichi Onaga

Sensei Ryoichi Onaga, Hanshi, 9º Dan, Vice-Presidente da
Junta de Directores da OGKK e Director Técnico para a Europa

O sonho comanda a vida…

Actualmente, no nosso mundo, há uma circulação mais ampla e mais rápida da informação. Este volume e esta velocidade da informação reflectem-se no desporto.

Mas embora informação não seja conhecimento, temos de reconhecer que a desinformação também abunda. E no seio do desporto também há desinformação. Tal como acontece no seio de cada modalidade desportiva, nomeadamente no Karaté…

Aliás, essa desinformação também é necessária, para sabermos distinguir o trigo do joio…

Aqueles que militam no desporto devem perceber que este não é só uma situação motora competitiva, uma actividade agonística codificada ou um sistema institucionalizado.

O desporto é prazer e satisfação mas também sofrimento e sacrifício. O desporto é incerteza e identificação mas também é disciplina e principalmente respeito, pois competição não é sinónimo de guerra nem adversário é sinónimo de inimigo.

E recordo-me aqui e agora da história que nos conta Álvaro Magalhães quando alguns amigos levam Jesus Cristo ao futebol, jogo a que este nunca assistira. «Primeiro marcaram os Crusaders, que eram protestantes. Jesus aplaudiu e atirou ao ar o seu chapéu. Depois marcaram os Punchers, que eram católicos. E Jesus voltou a aplaudir. Tal atitude desconcertou alguém que lhe perguntou. ‘– Afinal qual é a equipa que apoias, bom homem? – Eu? Não apoio nenhuma equipa. Aprecio o jogo, simplesmente.’, respondeu Jesus Cristo. O homem afastou-se dele com um gesto de desprezo e sussurrou ao ouvido do seu vizinho do lado: ‘– É um ateu!’» Pois é, Jesus é bom homem, mas afinal é ateu! Cabe-me aqui perguntar: quantos ateus existem entre nós, no Karaté?

Critica-se tudo e todos… Fala-se, diz-se, conta-se – mas de fundamentos, nada! Mas de justificações, nada! Mas de provas, igualmente nada! E de seguir os procedimentos correctos, menos ainda... Importante é o dan (o que seríamos sem as nossas graduações?) Importante é o diploma (o que seríamos sem ter algo para exibir?). Os homens do Karaté têm sido os seus melhores inimigos...

O desporto é campo de axiologias mas nele também proliferam as perversidades… e a política e as políticas, parentes pobres destas últimas…

O desporto é profissão mas também é ética, moral e deontologia. E o Karaté (desiludamo-nos, correndo o risco de ser condenado por heresia!) é uma modalidade desportiva igual a outra qualquer, com as suas virtudes e os seus vícios. Sim, porque o Karaté actual é um desporto...

E o desporto torna-se masoquismo quando nós potenciamos a angústia e o sofrimento (o nosso e até o dos outros) e sadismo quando contribuímos para o alastramento das perversidades (sobre os outros e até sobre nós próprios).

Para lutar contra a dispersão e o perecimento, o desporto procura gerir os antagonismos no seu seio, integrando-os de uma forma organizacional – ora criando órgãos próprios, deliberativos e executivos, ora modificando a sua estrutura e transformando-se de modo a aumentar as suas competências organizacionais, ora reformulando normas e regulamentos, ora recorrendo ao marketing para dar uma outra imagem.

Por outro lado o desporto autoreproduz-se e automultiplica-se, procurando que a taxa de reprodução seja compensatória em relação ao aumento da sua entropia (daí o aparecimento cada vez mais frequente de novas modalidades desportivas e de novas formas de espectáculo, de uma mais diversificada oferta de actividades e de novas maneiras de angariar mais alunos). Assim, o sistema desportivo e os que dele fazem parte sempre sentiram a necessidade constante de se autoreorganizarem e de se autoprotegerem – o que ainda hoje continuamos a verificar (outra heresia!). O sistema desportivo sempre sentiu a necessidade, também constante, de ele próprio se instituir em mito. E nele abundam as crenças

O desporto também é um sistema autopoiético, que existe neste espaço de conversações, sob a forma de uma cultura. O Karaté faz parte desse sistema.

Piaget disse-nos que a reflexão é “uma conduta social de discussão, mas interiorizada”, enquanto a discussão socializada era uma reflexão exteriorizada. É esta reflexão que se produz na blogosfera.

Recebi de quatro amigos as primeiras mensagens de apoio a este blog. De José Oliveira (da Shodokan de Viseu -APGKS -, 6º dan, com quem dei os primeiros passos no Goju-Ryu), de João Ramalho e de José Ramalho (ambos 4º dan, da Kaizen Karaté Portugal, que comigo se iniciaram no nosso estilo) e de Eduardo Rafael, do Clube de Karaté Shotokan de Trancoso - UDKS. Verifica-se que a amizade está para além das distâncias, das associações, dos dojos, dos estilos… A todos o meu obrigado!

Seria óptimo que soubéssemos e que sonhássemos este espaço (neste mundo e neste tempo) como um local de reflexão e de comunicação, até porque o Karaté adquire uma dimensão ética não por ele próprio ou graças aos seus valores ancestrais, mas sim pelo contexto dos valores cultivados e transmitidos no terreno em que ele desponta e prolifera – e a blogosfera é um desses terrenos!

A reflexão, tal como o sonho, também comanda a vida, como bola colorida, entre as mãos de uma criança...
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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

História...


Vinte anos separam a primeira (1981) da última foto (2001). Pelo meio o estágio com o Sensei Onaga em 1987, em Múrcia, e a única visita a Portugal do Sensei Miyazato (1992) na companhia do Sensei Shinzo Chinen.

sábado, 8 de agosto de 2009

Porquê karate-do.pt?

As respostas poderiam ser muitas. Como por exemplo, por ser o termo «karaté», um estrangeirismo, incorrecto, pois em 1936 foi o termo «karate-do» o adoptado. Ou porque a resposta até se pode transformar em novas questões: arte marcial ou desporto de combate? Actividade física ou desporto?

Porque quando se passa mais de metade de uma vida procurando respostas, por vezes concluímos que são as perguntas que estão erradas...

Porque a par da prática e da técnica tem de haver pesquisa e investigação. Porque dados e conclusões devem ser postos em comum e ser divulgados. Porque a especificidade da actividade que praticamos assim o exige.

Enquanto na grande maioria das modalidades o praticante domina um objecto, nos “desportos de combate” o dominar o adversário é o fim último – o objecto é neste caso um ser que age e reage, um ser que pensa e que sente. Nos “desportos de combate” não há um elemento dinâmico (ser humano) e um elemento físico (objecto), pois existem dois elementos dinâmicos, autónomos, criativos, dispondo de uma motricidade intencional, que se opõem e confrontam até se designar um superior ao outro segundo certos parâmetros. O facto de ambos procurarem a vitória, de um procurar submeter o outro confinado pelos critérios pré-determinados, o facto de um procurar dominar o outro segundo certas regras, o facto de um ter de se superiorizar ao outro para ser declarado vencedor encontra, de facto, a sua origem no universo guerreiro. O contacto corporal que existe nos desportos colectivos não se confunde com o contacto corporal directo intencional nos “desportos de combate”. Nestes, o corpo do outro é objecto e objectivo da acção. Centramo-nos aqui no Kumite, sendo a Kata, como representação, a estilização do mesmo.

Exércitos e forças paramilitares podem praticar Karaté como arte marcial. Mas ninguém pratica Karaté, no sentido de modalidade desportiva institucionalizada, para “ir à guerra”, assim como ninguém pratica Karaté para combater (no sentido literal do termo, pois no combate não há regras, a morte é real, enquanto que no ritual desportivo a morte é simbólica) com o adversário, pois este não é o inimigo. Como diz Yonnet (2004), “não é a natureza material duma actividade que decide o seu carácter extremo, é o uso feito desse material no quadro de uma actividade possível”.

Não podemos pois classificar o Karaté “civil” actual, federativo, como uma “arte marcial” nem como um “desporto de combate”, pois “é o uso do utensílio que faz a classificação da actividade, não o utensílio por si próprio” (Yonnet, id.).

Parece-nos mais correcto falar num e de um “desporto de contacto corporal directo” (intencional e objectivo), à semelhança do Judo, do Taekwon-do e do Boxe, em alternativa à Esgrima ou ao Kendo, desportos de contacto corporal indirecto.
No quadro da sistemática do desporto, esta foi a tese por mim apresentada no 2º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate, realizado a 16 e 17 de Maio, em Viseu.

YONNET, Paul, 2004, “Huit leçons sur le sport”, Paris, Éditions Gallimard.